quinta-feira, 1 de abril de 2010

DISTINTOS OLHARES...


                                               DISTINTOS OLHARES...
PORTELINHA

As pessoas que vivem nas montanhas ou pertos delas vêem paisagens diferentes das pessoas que moram em planícies, dizia Oscar Handlin, no seu festejado livro Living in valley. A declaração é simples. Talvez pareça até mesmo nada especial ou corriqueira, mesmo assim, merecem ser exploradas por nós, aqui, nesta crônica.
            Os homens esforçam-se por interpretar e compreender a natureza... Correndo pelas veredas, planícies e pelas clareiras abstratas, que inventaram para estudar o mundo, utilizando as leis cientificas como instrumentos de descoberta e de manipulação da própria natureza, pensando deste modo que prevêem os fatos de um universo muitas vezes por eles desconhecido. Seria bom que os cientistas que falam do meio ambiente às vezes de uma forma tão abstrata e com muita devoção convidassem os índios, os caboclos, madeireiros, o Ministro do Meio Ambiente, a Senadora Kátia Abreu (mora em Palmas...), pessoas que direta ou indiretamente estão relacionadas com a política ambiental do país, com a preservação ou não do meio ambiente. A ciência sai assim do seu isolamento, e a unidade obtém-se através do estabelecimento de laços cada vez mais numerosos entre todas as partes do saber. A ciência contemporânea admite, creio eu, que se ousem fazer aproximações imprevistas, tolera a coexistência de reagrupamentos múltiplos e diversos, consente uma unidade entre as teorias cientificas/acadêmicas e a práxis social ou o conhecimento empírico. Para falarmos da maior floresta do mundo com propriedade, o Amazonas, é imperioso que a conheçamos... Talvez fosse de bom alvitre que sob a bandeira “vamos descobrir o Brasil”, os nossos ambientalistas fizessem uma grande viagem por todo o país e constatassem in loco todos os problemas inerentes ao nosso meio ambiente e não só, a análise deve sistêmica. Não é sem razão que Oscar Handlin nos mostrou no seu festejado livro Living in Vallley que existe uma grande diferença entre as paisagens das montanhas e das planícies...
            Eu já morei em ambos e o contraste deixou uma profunda impressão em mim. Depois de ter passado toda minha infância e juventude nas planícies. Quando penso em planícies, ainda hoje, os meus pensamentos correm primeiro para as pradarias rurais – os longos estirões de campos abertos do centro oeste norte-americano, as estepes russas, ou os Países Baixos. E nenhum deles, apesar disso, concorre em beleza com as planícies da cidade onde nasci. Com tais impressões iniciais da minha vida sobre a natureza, tropecei inocentemente em outro mundo, o mundo de montanhas búlgaras!  Meu primeiro encontro com montanhas foram chocantes e perturbadoras, pois me expuseram não só a um novo conjunto de paisagens, mas também de modos de penar inteiramente diferentes do meu. Nas montanhas, os aforismos cunhados nas planícies tornam-se irrelevantes ou falsos. A sabedoria de um lugar não se aplica ao outro... O sol nasce no leste e se põe no oeste. Um truísmo. Mas nas montanhas a primeira luminosidade brilha nos picos do oeste, e só depois é que bola de fogo aparece no leste. Ao escurecer, os cumes das montanhas do leste ainda brilham, enquanto as sombras cobrem o oeste. Uma linha reta é a maior distância entre dois pontos – na planície, não nas montanhas! Quem viu o jeito com que as trilhas vão e voltam encosta acima ou serpenteiam contornado os obstáculos naturais, entenderá por que as medidas lineares têm ali pouco significado. Na verdade, ainda hoje, tenho dificuldades de calcular distâncias onde há montanhas porque um habitante das planícies que tem suas impressões de espaços lineares e laterais sente-se cada vez mais tocado pela qualidade sensorial de apreensão lá encima da montanha...
  Leibniz considerado de fato o único sábio verdadeiramente universal entendia que era necessário “unir os conhecimentos dispersos em toda Terra”, o que “não pode ser obra de um só homem” ou de poucos homens... Ia me esquecendo... As veredas e as planícies onde andei não eram abstratas...

NINGUÉM VIVE IMPUNEMENTE AS DELÍCIAS DOS EXTREMOS

Ninguém vive impunemente as delícias dos
                                             extremos

            Todas as metas intensivas e excessivas de desenvolvimento, onde o Homo Economicus não leva em conta a preservação do meio ambiente, provocam um efeito comparável ao da bola de neve que despenca e rola desatinadamente do topo das montanhas cobertas de neve: ninguém pode prever qual a trajetória, a velocidade e o destino dessa bola que mais se avoluma e maior velocidade atinge na sua irreversível, insolente e trágica evolução. Assim é a natureza, que não se defende, mas reage, e cuja reação pode ter os desdobramentos os mais imprevisíveis – e os mais trágicos. No entanto, a idéia do progresso passou, como é óbvio, a ser adorada, idolatrada e reverenciada por bilhões de devotos que, apesar do seu entusiasmo e por não terem sabido conviver com a natureza-mãe, tornaram-se, na realidade, mais vítimas do que beneficiários do implacável e desumano progresso, que altera todo o equilíbrio biológico ou ecológico de todas as espécies dos reinos animal e vegetal, provocando centenas de males incuráveis que afetam a saúde humana e a toda espécie animal, em nome de um suposto bem à humanidade. Sou apologista de que se deva procurar insumos e metodologias alternativas que sejam viáveis dos pontos de vista econômico, ambiental e social. Isto é, onde toda exploração agrícola ou agropecuária convergisse numa harmonia econômico-ambiental, em que o social fosse também importante – ou mesmo o mais importante nesse quadro. É sabido atualmente que os impactos da agricultura sobre o meio ambiente chegam a situações extremas e quase de irreversibilidade da degradação e da poluição ambiental, causadas pelo uso inapropriado de insumos e mecanização, nocivos a toda vida. Deléage insistia frequentemente, e com justa razão, em que a questão ambiental era eminentemente social. Forçoso é estar de acordo, até porque os princípios do ecodesenvolvimento afastam toda abordagem reducionista, seja ela ecologista, seja ela economista. Dever-se-á pautar toda formulação de políticas de desenvolvimento agrícola ou de quaisquer outras atividades exploradas da natureza por princípios que conclamem a primazia das necessidades de todos os seres vivos, solidários, inclusive as gerações vindouras e que também assumam a necessidade premente de um desenvolvimento social baseado nesse casamento frutuoso do homem com a natureza, já mesmo em benefício da qualidade de vida dos próprios viventes atuais. Por outro lado, este dilema entre a dominação da natureza pelo homem ou a preservação do meio ambiente permanecerá enquanto continuar a ser concebido o uso do meio ambiente pelo prisma de um modelo de desenvolvimento unilateral e unívoco. Após a leitura de várias teorias e modelos de desenvolvimento agrícola, ocorreu-me que talvez valesse a pena pensar em algum que fosse mais diversificado, o que supõe, desde logo, optar por uma orientação teórica capaz de perceber a complexidade dialética dos objetos e situações envolvidas nessa relação do meio natural com o meio social, reaprendendo mesmo tal relação. Um tal reaprendizado será necessariamente perpassado por conflitos e envolverá adaptação de tecnologias já existentes, desenvolvimento de novos hábitos e novas tecnologias, pesquisas de produtos e geração de novos conhecimentos direcionados para a previsão e a prevenção dos impactos negativos da atividade agrícola (e não só ela), quer incidam eles sobre o meio ambiente, quer sobre o meio social. Obviamente que sem prejuízo para a produção nem para a competitividade, que são pressupostos para a sobrevivência da espécie e perpetuação da humanidade. Sendo assim, a política econômica deve levar ao desenvolvimento e à adoção de tecnologias que promovam o desenvolvimento sustentável, competitivo, procurando preservar sempre e dentro do possível os recursos naturais para o uso das gerações futuras. 

INFÂNCIA E TRAVESSURAS DE UM SERTANEJO DE JUAREZ MOREIRA

Sobre o romance “Infância e Travessuras de um                                                                 Sertanejo”

JOÃO PORTELINHA

Mais do que para maioria dos outros escritores tocantinenses, a biografia de Juarez Moreira Filho não precisa ser vasculhada para familiarizarmo-nos com sua infância... INFÂNCIA E TRAVESSURAS DE UM SERTANEJO é a realidade romanceada da vida de um menino sertanejo vivida pelo próprio autor. Assim, para além tudo, é uma obra consagrada ao emocionante relato autobiográfico da sua infância no sertão. O grande mérito do autor, em minha opinião, é descrever-nos sutilmente este fato, sem dizê-lo que se trata na realidade da sua própria vida. Ao fazê-lo, concomitantemente nos remete de uma forma fiel a vida do sertão; seu ambiente, sua gente humilde e sua linguagem peculiar rural (daí o seu êxito).
         Desde o começo de sua obra, teve a ambição de reproduzir com realismo, de maneira mais verídica, mais completa e nos mínimos detalhes, sem buscar evitar o que pudesse haver de banal ou mesmo desagradável em tudo quanto lhe impressionara sobre a vida do campo: a cor das suas raízes, a temperatura e o cheiro de sua terra, os temperos de uma cozinha maravilhosa e, acima de tudo, a idiossincrasia de sua alma sertaneja que transporta sempre para suas obras literárias.
          De fato, a obra em tela é feita de observação puramente naturalista, com uma ampla parte psicológica, das ações bem como de sentimentos dos personagens que retratou. Só pelas qualidades de estilista satisfaz às leis da estética. Seu estilo é artisticamente formado, transparente e simples, fácil e claro, contudo pessoal, realista e, plasticamente expressivo. Mesmo nos seus livros posteriores a INFÂNCIA DE UM SERTANEJO, os de memórias particularmente deixam entrever a sua mestria que, aliás, de resto, todos seus leitores lhe reconhecem. Mas é nas descrições da natureza, da dor, dos sentimentos que tais qualidades se mostram mais sedutoras. Nos destinos humanos que pode descrever, sobra ainda lugar para alegria. Os quadros são frequentemente de cores muito sombrias, mas a força evocadora dos seus heróis jamais se enfraquece.
         Este belíssimo romance de estréia do escritor JUAREZ MOREIRA FILHO, agora em sua 2ª edição, constitui sem dúvida um tour de force como uma pintura audaciosa e amarga da vida do sertão em que, não obstante ser dura, sofrida, ainda há espaço para o amor, o folclore alegre, descontraído e leve, sobre tudo vivido e ensinado pela Dona Isabel, no segundo capítulo do livro, um primor, que me fez retornar nitidamente ao meu passado em Angola e as leituras que fiz das obras maravilhosas do expoente máximo da literatura angolana, quiçá do espaço lusófono, Antonio Agostinho Neto, o autor da SAGRADA ESPERANÇA e de Mikail Chokolov. Um só trecho, de - O DON SILENCIOSO-, recordado, por exemplo, da obra deste grande pensador russo e Nobel de Literatura: “Na quarta semana da Quaresma, a água pôs-se a brotar nas margens do Don. Derretendo-se na superfície, o gelo tornava-se cinzento e poderoso. À noite, um murmúrio surdo vinha dos morros, indicando que iria gear, de manhã, havia ainda uma leve geada, mas lá para o meio-dia a terra apresentava-se descoberta em alguns pontos. Podia-se sentir o cheiro de março, das cerejeiras e a palha apodrecida. (...) Quanto se andava, tinha-se a impressão de se estar andar numa ravina cheia de folhas mortas, folhas amarelas que se afastam com facilidade para dar lugar à turfa que vinha de baixo, mesmo assim os pássaros cantavam. Poderíamos dizer que na INFÂNCIA E TRAVESSURAS DE UM SERTANEJO a ambiência de uma forma geral é, aqui, também, retratada minuciosamente, nos mínimos detalhes; o cheiro da terra, depois das chuvas, as amplas perspectivas sobre o verde doce e fresco circundado de rios e córregos que brilham em todo esplendor, a magia e a beleza descrita dos campos com toda sua pujança circunstanciada com toda sua fauna e flora em movimento; o barulho dos gravetos secos caindo das árvores, os carros-de-boi, as boiadas, o som do berrante nos chapadões, o grilo cantando, sapo pulando, o guará gritando, o canto dos pássaros que pulam de haste em haste fazendo algum barulho é de extrema beleza. Encontra-se aí um sentido da vida que não nasce de um gosto puramente literário, mas é a descrição de uma vivência rica do autor, plena e inteira da beleza de um sertão retratado que provavelmente já não existe mais... No entanto, tudo aí vibra no infinito e na calma do espaço limitado da fazenda Capa-Cachorro, de propriedade do pai de Dida, nos seus arredores, em Duerê e nos garimpos de cristal-de-rocha, onde o autor retrata com bastante fidelidade a dureza vivida pelo Quirino e o bambúrrio que nunca chegou. A análise dos personagens alcança uma Profundidade notável em sua rapidez e leveza, essas figuras humanas se harmonizam com a fuga das nuvens, com o cair das chuvas, com o cheiro da terra molhada, com o cheiro de estrume, o aparecimento do crepúsculo à aurora de um dia novo. Graças à tão sutil do escritor, as palavras ganham certa ressonância e sua música assemelha-se à de um violino de raios de luz e cores. As datas, os acontecimentos, os autores, os personagens, são reais, em sua maioria. O autor se compraz em descobrir a beleza humana; liberto de toda doutrina psicanalítica, permaneceu simplesmente poeta, e soube retratar e até criar a poesia pura com um traço de grandeza, de sentimento.
         No entanto, se quisermos considerar esta obra tão somente no plano artístico ou literário, mesmo assim, não deixaria de ser uma obra original e importante para a pesquisa mais do que qualquer daquelas que o procederam na publicação sobre a temática do regionalismo do Norte de Goiás, hoje Tocantins.